Placa de aterosclerose: como ela nasce, cresce
- Equipe Ênio Panetti

- 22 de set.
- 5 min de leitura

Imagine suas artérias como estradas de alta velocidade, por onde circula o sangue levando oxigênio e nutrientes para todos os órgãos. Agora, imagine que, aos poucos, buracos começam a surgir, pequenas rachaduras aparecem no asfalto e alguém despeja concreto e entulho ali. O fluxo continua, mas cada vez mais turbulento. Um dia, um desses trechos se rompe e causa um engarrafamento gigantesco. Essa é a metáfora mais simples para a aterosclerose: um processo que começa devagar, cresce em silêncio e pode terminar em um infarto ou derrame.
A boa notícia é que, diferente das estradas, nossas artérias podem se cicatrizar e até melhorar quando recebemos o tratamento certo. É isso que a ciência tem mostrado ao longo das últimas décadas. Neste texto extenso, você vai entender como a placa se forma, quais fatores aceleram esse processo, o que pode ser feito sem remédio e como as estatinas e novas terapias conseguiram mudar a história da cardiologia.
O que é a placa de aterosclerose?
A placa é como uma mistura de gordura, células de defesa e cicatrizes que se acumula na parede das artérias. Ela não aparece de repente. Começa com partículas de colesterol LDL — o “colesterol ruim” — que conseguem atravessar a camada interna do vaso, chamada endotélio.
Quando esse LDL se prende ali, sofre transformações químicas (oxidação, glicação) e vira altamente tóxico para o corpo. O sistema imunológico reage como se fosse uma bactéria ou uma ferida: manda células de defesa para “limpar a sujeira”. Mas, em vez de resolver, essas células acabam se enchendo de gordura e virando as famosas células espumosas.
Com o tempo, o organismo tenta isolar essa bagunça criando uma capa fibrosa, feita de colágeno e tecido cicatricial. Esse é o momento em que temos uma “placa de aterosclerose” formada. Algumas ficam estáveis por anos, outras inflamam e se tornam vulneráveis. Quando a capa fibrosa rompe, o contato com o sangue ativa a coagulação e forma-se um trombo que pode entupir a artéria. Esse é o mecanismo por trás de grande parte dos infartos.
👉 Essa explicação é baseada em documentos científicos como a AHA Scientific Statement 2019.
Como a placa se forma — passo a passo
Disfunção endotelial: o endotélio é como um “revestimento antiaderente” das artérias. Pressão alta, glicemia elevada, tabaco e até poluição podem estragar esse revestimento, deixando-o mais permeável.
Entrada e retenção do LDL: as partículas de LDL conseguem atravessar o endotélio e ficam presas na parede do vaso.
Oxidação do LDL: ali dentro, o LDL sofre transformações químicas e vira altamente inflamatório.
Chegada das células de defesa: os monócitos entram, viram macrófagos e engolem o LDL oxidado. Esses macrófagos ficam cheios de gordura, formando as células espumosas.
Crescimento da placa: células musculares da artéria migram para a região, produzem fibras e colágeno, formando a capa fibrosa.
Vulnerabilidade: quando a inflamação é intensa e a capa fica fina, há risco de ruptura e formação de trombo.
👉 Esse processo está detalhado no European Society of Cardiology Guidelines 2019.
Quem tem mais risco?
A aterosclerose não acontece do nada. Ela é acelerada por fatores de risco bem estabelecidos:
Colesterol LDL alto: cada aumento no LDL acelera a formação de placas. A relação é direta: quanto mais alto o LDL, maior o risco.
Pressão arterial elevada: força mecânica sobre a parede do vaso causa microlesões.
Diabetes e resistência à insulina: glicose alta inflama as artérias e altera as gorduras no sangue.
Tabagismo: cada cigarro libera substâncias que oxidam o LDL e irritam o endotélio.
Obesidade abdominal: gordura visceral produz substâncias inflamatórias que aceleram o processo.
Histórico familiar: se pai ou mãe tiveram infarto precoce, o risco aumenta.
Lipoproteína(a): um fator genético importante. Diretrizes recomendam medir pelo menos uma vez na vida (ESC/EAS 2019).
Como identificar a placa?
Escore de cálcio coronário: exame de tomografia que mede o cálcio nas artérias. Um número alto significa mais aterosclerose. Curiosamente, quando as placas ficam mais estáveis, o cálcio tende a aumentar.
Angiotomografia de coronárias: mostra as placas, mesmo as moles, e a porcentagem de obstrução.
Exames invasivos de imagem (IVUS e OCT): usados em pesquisas e procedimentos cardíacos, permitem avaliar a composição e a espessura da capa fibrosa.
Box: o que você pode fazer sem remédios
✅ Alimentação mediterrânea: rica em azeite, frutas, verduras, legumes, grãos integrais, peixes e nozes. No estudo PREDIMED, reduziu eventos cardiovasculares em pessoas de risco.
✅ Atividade física regular: 150 minutos por semana já trazem benefícios. Revisões mostram redução significativa de infartos e mortes.
✅ Parar de fumar: é uma das medidas que mais rapidamente reduz o risco cardiovascular.
✅ Controle do peso: perder de 5 a 10% já melhora colesterol, pressão e glicemia.
✅ Sono e estresse: noites bem dormidas e menor estresse regulam hormônios e inflamação.
Estatinas: a base da estabilização e regressão
As estatinas revolucionaram o tratamento. Elas não apenas reduzem o LDL, mas estabilizam a placa e, em alguns casos, conseguem até diminuir o volume da placa.
Estudos clássicos:
Além disso, uma grande análise chamada CTT Collaboration mostrou que cada redução de 39 mg/dL no LDL diminui em 20% os eventos cardiovasculares (Lancet 2010).
E as novas terapias?
Inibidores de PCSK9: remédios como evolocumabe e alirocumabe reduzem o LDL a níveis muito baixos. No estudo GLAGOV (2016), pacientes em uso tiveram redução do volume da placa (JAMA).
HUYGENS e PACMAN-AMI (2022): mostraram que essas terapias aumentam a espessura da capa fibrosa da placa, tornando-a mais estável (JACC 2022).
E a inflamação?
O estudo CANTOS (2017) foi um marco: ao usar um medicamento que reduz inflamação (canakinumabe), pacientes tiveram menos infartos mesmo sem mudança no colesterol (NEJM). Isso provou que a aterosclerose é lipídica e inflamatória ao mesmo tempo.
Conclusão: aterosclerose não é destino, é processo
A placa de aterosclerose nasce da combinação de colesterol alto, inflamação e agressões à parede da artéria. Mas ela pode ser freada, estabilizada e, em alguns casos, até regredida. O segredo está em:
Mudanças de estilo de vida (alimentação, atividade física, sono, parar de fumar).
Controle rigoroso do colesterol LDL com estatinas e, quando necessário, terapias adicionais.
Controle da pressão e da glicemia.
Acompanhamento médico regular.
Quanto mais cedo começar, maior a chance de viver uma vida longa, ativa e sem infarto.
Ênio Panetti - CRM 52.56781-1



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