top of page
Buscar

Colesterol, LDL e Estatinas: o que a ciência realmente mostra sobre o risco cardiovascular

Na era da informação digital, nunca se falou tanto sobre colesterol, dieta e medicamentos para reduzir o risco cardiovascular. Infelizmente, junto com informações de qualidade, também circulam muitos mitos: “o colesterol não faz mal”, “estatinas são perigosas”, “reduzir o colesterol aumenta o risco de doenças”, entre outros.


Esses argumentos se espalham rapidamente nas redes sociais, mas não têm respaldo científico. Pelo contrário: a literatura médica de alta qualidade mostra de forma consistente que o LDL-colesterol elevado é uma das principais causas de aterosclerose e que a redução do LDL com estatinas ou outras terapias reduz significativamente o risco de infarto, AVC e morte cardiovascular.


Neste artigo, vamos esclarecer a diferença entre colesterol e lipoproteínas, entender o papel do LDL, analisar os grandes estudos sobre estatinas e desmontar os principais mitos que confundem pacientes e até profissionais de saúde.


O que é colesterol?

O colesterol é uma molécula lipídica essencial para o organismo. Ele faz parte da membrana das células, é matéria-prima para hormônios como estrogênio, testosterona e cortisol, além de participar da produção de vitamina D e ácidos biliares.

Portanto, o colesterol em si não é um vilão. Ele é vital para a vida humana.

O problema surge quando falamos das formas como o colesterol é transportado no sangue. Como o colesterol não se dissolve em água, ele circula ligado a partículas chamadas lipoproteínas, que funcionam como veículos.

As principais lipoproteínas são:

  • LDL (lipoproteína de baixa densidade): transporta colesterol do fígado para os tecidos.

  • HDL (lipoproteína de alta densidade): faz o caminho inverso, levando o colesterol de volta ao fígado.

É justamente aqui que está a diferença crucial: não é o colesterol total que importa, mas a forma como ele circula nas lipoproteínas.


LDL: o verdadeiro problema

O LDL é a partícula mais fortemente associada ao risco cardiovascular. Ele é responsável por depositar colesterol nas paredes das artérias, promovendo o processo de aterosclerose.

A aterosclerose é uma doença inflamatória crônica em que placas de gordura e células inflamatórias se acumulam na parede das artérias, reduzindo o fluxo sanguíneo. Esse processo pode levar a infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC), doença arterial periférica e morte súbita.

Estudos genéticos, epidemiológicos e clínicos mostram de forma consistente que:

  • Quanto mais alto o LDL, maior o risco de eventos cardiovasculares.

  • Reduzir o LDL leva a menor incidência de infarto e AVC.

Um grande resumo desses dados foi publicado em 2017 no European Heart Journal por Ference e colaboradores. O estudo reuniu evidências de diferentes áreas (genética mendeliana, ensaios clínicos randomizados e estudos observacionais) e concluiu que existe relação causal direta entre níveis de LDL e risco cardiovascular.


Estudos clássicos que comprovam o papel do LDL


Estudo Framingham Heart Study

Um dos marcos da cardiologia preventiva, iniciado nos anos 1950, foi o Framingham Heart Study, que acompanhou milhares de pessoas por décadas. Ele mostrou, de forma pioneira, que altos níveis de colesterol LDL estavam associados a maior risco de doença arterial coronariana.


Estudos genéticos (hipercolesterolemia familiar)

Pacientes com hipercolesterolemia familiar, condição genética que eleva muito o LDL desde a infância, têm risco extremamente alto de infarto precoce. Isso reforça a noção de que quanto mais cedo e mais elevado o LDL, maior a agressividade da aterosclerose.


Meta-análises

Uma análise publicada no Lancet em 2010 por Cholesterol Treatment Trialists’ (CTT) Collaboration mostrou que para cada redução de 1 mmol/L (cerca de 40 mg/dL) no LDL, o risco de eventos cardiovasculares maiores cai em cerca de 20%.

Essa é uma das evidências mais robustas de que reduzir o LDL salva vidas.


HDL: nem sempre protetor

Durante muito tempo, o HDL foi chamado de “colesterol bom”. De fato, níveis baixos de HDL estão associados a maior risco cardiovascular.

Mas há um equívoco: um HDL elevado não compensa o risco de um LDL alto.

Estudos de intervenção tentaram aumentar o HDL artificialmente, mas falharam em reduzir eventos cardiovasculares. Isso mostra que o HDL é mais um marcador do que um fator causal direto de proteção.

Portanto:

  • HDL baixo é ruim;

  • HDL alto não neutraliza os danos de um LDL elevado.

O foco deve ser reduzir o LDL, não apenas olhar para o HDL.



Estatinas: como funcionam

As estatinas são medicamentos que inibem a enzima HMG-CoA redutase, fundamental na síntese hepática de colesterol. Isso leva a uma redução na produção de colesterol pelo fígado e, consequentemente, a um aumento da remoção de LDL da circulação.

Além de reduzir os níveis de LDL, as estatinas também têm efeitos chamados pleiotrópicos, como:

  • Melhora da função endotelial;

  • Redução da inflamação vascular;

  • Estabilização da placa aterosclerótica, tornando-a menos propensa a romper.

Esses efeitos explicam parte do benefício adicional observado em ensaios clínicos.


Estudos que comprovam a eficácia das estatinas


4S Trial (Scandinavian Simvastatin Survival Study, 1994)

Um dos primeiros grandes ensaios clínicos randomizados a mostrar que estatinas reduzem mortalidade. Em mais de 4.000 pacientes com doença coronariana, a simvastatina reduziu em 30% a mortalidade por todas as causas e em 42% a mortalidade por doença coronariana.


HPS (Heart Protection Study, 2002)

Conduzido com mais de 20.000 pacientes de alto risco, mostrou que a sinvastatina reduziu significativamente infarto, AVC e necessidade de revascularização, independentemente do nível basal de colesterol.


JUPITER Trial (2008)

Estudou a rosuvastatina em pessoas com colesterol LDL relativamente normal, mas com inflamação elevada (PCR alta). O estudo foi interrompido precocemente devido ao grande benefício: houve redução de 44% nos eventos cardiovasculares maiores.


Meta-análises CTT

As grandes análises colaborativas CTT (publicadas em Lancet) confirmaram que o benefício das estatinas é consistente em diferentes populações e que quanto maior a redução do LDL, maior a redução de risco.


Novas opções de tratamento: além das estatinas

Apesar da eficácia e segurança das estatinas, uma parcela dos pacientes apresenta intolerância (como mialgias persistentes) ou não atinge as metas de LDL mesmo com a dose máxima tolerada. Para esses casos, outras opções terapêuticas ganharam espaço.

  1. Ezetimiba: inibe a absorção intestinal de colesterol. No estudo IMPROVE-IT, quando associada à sinvastatina, reduziu eventos cardiovasculares em pacientes pós-SCA.

  2. Inibidores de PCSK9 (evolocumabe, alirocumabe): reduzem o LDL em até 60% ao inibir a degradação dos receptores de LDL no fígado. Ensaios como o FOURIER e o ODYSSEY OUTCOMES mostraram redução significativa em desfechos cardiovasculares, especialmente em pacientes de alto risco.

  3. Ácido bempedoico: aprovado recentemente, é uma nova ferramenta terapêutica para pacientes intolerantes às estatinas ou que precisam de tratamento adicional. Atua inibindo a ATP-citrato liase, enzima envolvida na síntese hepática de colesterol.

    • O estudo CLEAR Outcomes (2023) mostrou que o ácido bempedoico reduz o LDL em cerca de 20% e está associado a uma redução estatisticamente significativa de eventos cardiovasculares maiores em pacientes intolerantes às estatinas.

    • Seu perfil de segurança é favorável, já que é uma pró-droga ativada apenas no fígado, o que reduz o risco de efeitos musculares adversos.



Mitos sobre colesterol e estatinas na internet

Apesar da robusta evidência, muitos mitos persistem. Vamos esclarecer os principais:


“Colesterol não é ruim, é essencial para a vida”

Verdade parcial. O colesterol é essencial, mas o problema é quando circula em excesso na forma de LDL, promovendo aterosclerose.


“Estatinas fazem mal e têm muitos efeitos colaterais”

Estatinas podem ter efeitos adversos, como dor muscular ou alteração de enzimas hepáticas, mas na imensa maioria dos casos são bem toleradas. O benefício em termos de redução de eventos cardiovasculares supera amplamente os riscos.


“Baixar demais o colesterol é perigoso”

Falso. Estudos como o IMPROVE-IT e os ensaios com inibidores de PCSK9 (FOURIER, ODYSSEY) mostram que reduções intensas de LDL (até 30 mg/dL) trazem benefícios adicionais, sem evidência de riscos significativos.


“Estatinas causam câncer, Alzheimer ou diabetes”

Não há evidências de que estatinas aumentem risco de câncer ou Alzheimer. O risco de diabetes pode aumentar discretamente em alguns estudos, mas o benefício cardiovascular supera em muito esse pequeno risco.


Modismos sem comprovação: subfrações de LDL e LDL oxidado


Subfrações do LDL

Recentemente, algumas clínicas e laboratórios passaram a oferecer exames de subfrações do LDL, distinguindo partículas “grandes e fofas” (teoricamente menos aterogênicas) e “pequenas e densas” (consideradas mais perigosas).

Embora essa ideia seja atraente, a ciência mostra outra realidade:

  • Pessoas com LDL elevado, independentemente do tipo de partícula, têm risco cardiovascular aumentado.

  • Não há nenhum estudo clínico randomizado mostrando que guiar tratamento por subfrações reduz eventos cardiovasculares.

  • O que realmente importa — e tem comprovação — é o nível absoluto de LDL-C no sangue.

Portanto, subfrações de LDL não substituem a avaliação clínica clássica.


LDL oxidado

Outro modismo é a dosagem de LDL oxidado, partícula considerada mais instável e inflamatória.

Apesar de interessante do ponto de vista experimental, não há estudos de intervenção mostrando que reduzir LDL oxidado, especificamente, traga benefícios clínicos.

O que se sabe, com base em múltiplos ensaios clínicos, é que reduzir o LDL total reduz eventos cardiovasculares. Ou seja, a prática clínica não deve se guiar por exames de LDL oxidado.


Conclusão


O debate sobre colesterol precisa ser baseado em ciência, não em opiniões ou modismos. O que sabemos hoje, com clareza, é:

  • O colesterol é essencial para o organismo, mas o LDL elevado é fator causal direto da aterosclerose.

  • Não existe “LDL grande e inofensivo”: toda elevação de LDL aumenta o risco cardiovascular.

  • Marcadores como LDL oxidado ou HDL elevado não substituem a importância do LDL.

  • Quanto mais baixo o LDL, menor o risco. Essa máxima é sustentada por décadas de evidências científicas.

  • As estatinas são seguras e eficazes, e continuam sendo a base do tratamento.

  • Novas terapias, como ezetimiba, inibidores de PCSK9 e ácido bempedoico, ampliam as opções para pacientes de alto risco ou intolerantes às estatinas.

Em tempos de excesso de informação, é fundamental separar o que é ciência sólida do que são apenas narrativas atraentes sem base em estudos clínicos. Quando falamos de prevenção cardiovascular, não há atalhos: reduzir o LDL é a estratégia comprovadamente eficaz para reduzir infarto, AVC e morte cardiovascular.


Ênio Panetti - CRM 52.56781-1



 
 
 

Commentaires


​Ênio Panetti

Para receber nossas mais recentes dicas de saúde, assine abaixo

Obrigado por assinar!

© 2025 Ênio Panetti

Redes Sociais

Contato

(21) 3082-7624

WhatsApp

bottom of page