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Lipoproteína a e o risco cardiovascular

lipoproteína a

Quando falamos em colesterol, a maior parte das pessoas já ouviu falar do LDL (o “colesterol ruim”) e do HDL (o “colesterol bom”). No entanto, existe uma partícula menos conhecida, chamada lipoproteína(a) ou Lp(a), que vem ganhando grande destaque na medicina cardiovascular.

Pouca gente sabe, mas a Lp(a) pode ser um fator de risco tão importante quanto o LDL, principalmente porque atua de maneira independente, aumentando o risco de infarto, AVC e doenças das artérias mesmo em pessoas com níveis de colesterol aparentemente normais.

Nos últimos anos, as grandes diretrizes internacionais passaram a dar mais atenção à Lp(a). A Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), por exemplo, recomenda que todas as pessoas façam a dosagem pelo menos uma vez na vida. Essa simples medida pode mudar a forma como interpretamos o risco de cada paciente.

Neste artigo, vamos explicar de maneira acessível o que é a lipoproteína(a), como ela se relaciona com o risco cardiovascular, quais os mecanismos de ação – incluindo sua influência na formação de fibrina – e o que você pode fazer para cuidar da sua saúde.



O que é a lipoproteína(a)?

A lipoproteína(a), abreviada como Lp(a), é uma partícula semelhante ao LDL. Ela carrega colesterol e gorduras pelo sangue, mas tem uma característica única: além das proteínas presentes no LDL (como a apolipoproteína B-100), a Lp(a) contém também outra proteína chamada apolipoproteína(a).

Essa estrutura extra faz toda a diferença. A presença da apolipoproteína(a) dá à Lp(a) propriedades que vão além do simples transporte de colesterol, interferindo em processos de coagulação e inflamação no organismo.

Diferentemente do LDL e do HDL, que sofrem influência direta da alimentação e do estilo de vida, os níveis de Lp(a) são quase totalmente determinados pela genética. Isso significa que uma pessoa pode ter níveis elevados desde o nascimento e mantê-los estáveis ao longo da vida, sem que dieta ou exercícios mudem significativamente essa concentração


【American Heart Association, 2023】.



Por que a lipoproteína(a) é perigosa?

O grande problema da Lp(a) é que ela atua como um fator de risco independente. Em outras palavras, mesmo que uma pessoa tenha o LDL controlado, não fume e mantenha hábitos saudáveis, níveis altos de Lp(a) ainda aumentam o risco cardiovascular.

Estudos populacionais mostram que cerca de 20% da população mundial apresenta níveis elevados de Lp(a), acima de 50 mg/dL, patamar considerado de risco【Tsimikas, European Heart Journal, 2023】.

Entre os principais mecanismos de risco associados à Lp(a), destacam-se:

  • Aceleração da aterosclerose: a Lp(a) se deposita nas paredes das artérias, contribuindo para a formação de placas de gordura.

  • Efeito inflamatório: a apolipoproteína(a) ativa processos inflamatórios que tornam as placas mais instáveis, aumentando a chance de ruptura.

  • Interferência na coagulação: aqui está um ponto crucial. A Lp(a) tem semelhança estrutural com o plasminogênio, uma molécula fundamental na dissolução de coágulos. Essa semelhança faz com que a Lp(a) atrapalhe a quebra da fibrina, proteína responsável pela formação de trombos. Ou seja, a Lp(a) facilita a formação e a manutenção de coágulos【Koschinsky & Marcovina, Arteriosclerosis Thrombosis and Vascular Biology, 2022】.

Esse último aspecto é particularmente importante: níveis altos de Lp(a) não apenas entopem artérias com placas de gordura, mas também favorecem a formação de coágulos, aumentando o risco de infartos súbitos e acidentes vasculares cerebrais.



A recomendação da ESC: medir pelo menos uma vez na vida

Por muitos anos, a Lp(a) foi considerada apenas um detalhe secundário. Mas as evidências se acumularam a ponto de mudar as recomendações.

O guideline de prevenção cardiovascular da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) de 2019, reforçado por posicionamentos posteriores, sugere que todos os adultos façam a dosagem da lipoproteína(a) pelo menos uma vez na vida【ESC Guidelines, European Heart Journal, 2019】.

Essa recomendação se deve ao fato de que:

  1. A Lp(a) é fortemente determinada por fatores genéticos e não varia muito ao longo da vida. Uma única dosagem já fornece informação suficiente para estratificar o risco.

  2. Identificar pessoas com níveis muito altos ajuda o médico a ser mais agressivo na prevenção: uso mais precoce de estatinas, ezetimiba ou até terapias avançadas.

  3. Pacientes com história familiar de infarto precoce (antes dos 55 anos nos homens e 65 anos nas mulheres) têm maior chance de apresentar Lp(a) elevada.

Portanto, medir a Lp(a) é uma forma simples de descobrir se você pertence ao grupo de risco oculto que não aparece nos exames de colesterol tradicionais.



Lipoproteína(a) e fibrina: o elo com a coagulação

Um dos mecanismos mais interessantes – e perigosos – da Lp(a) é sua relação com a fibrina, proteína que participa da formação dos coágulos sanguíneos.

A fibrina atua como uma espécie de “cola”, unindo plaquetas e outras moléculas para formar o trombo que interrompe sangramentos. O corpo possui sistemas naturais para dissolver esses coágulos quando eles não são mais necessários. O principal é o plasminogênio, que se transforma em plasmina, responsável por quebrar a fibrina.

O problema é que a apolipoproteína(a), presente na Lp(a), tem uma estrutura muito parecida com a do plasminogênio. Isso faz com que ela compita pelos mesmos locais de ligação, mas sem exercer a função de dissolver a fibrina.

Em resumo:

  • A Lp(a) se liga à fibrina, impedindo que o plasminogênio atue.

  • Isso dificulta a quebra natural dos coágulos.

  • O resultado é um sangue mais “propenso” a formar trombos persistentes.

Esse mecanismo explica por que a Lp(a) aumenta o risco de trombose arterial e venosa de forma independente do LDL【Boffa & Koschinsky, Journal of Thrombosis and Haemostasis, 2021】.



Como interpretar o resultado do exame

O exame de Lp(a) pode ser expresso em mg/dL ou em nmol/L, dependendo do laboratório. Apesar das variações de método, a maioria dos especialistas considera:

  • Valores abaixo de 30 mg/dL (ou 75 nmol/L) → risco baixo.

  • Entre 30 e 50 mg/dL (ou 75 a 125 nmol/L) → risco intermediário.

  • Acima de 50 mg/dL (ou 125 nmol/L) → risco elevado.

É importante que o resultado seja analisado em conjunto com outros fatores de risco, como LDL, pressão arterial, diabetes, tabagismo e histórico familiar.



Existe tratamento para reduzir a Lp(a)?

Aqui está um ponto delicado: não existe ainda um tratamento específico aprovado para reduzir a lipoproteína(a).

Estatinas, remédios muito usados para baixar o LDL, não reduzem a Lp(a) – e em alguns casos podem até aumentá-la discretamente【Mayo Clinic Proceedings, 2021】.

No entanto, outras terapias estão em estudo:

  • Inibidores de PCSK9 (alirocumabe, evolocumabe): além de reduzirem o LDL em até 60%, também podem baixar a Lp(a) em torno de 20 a 30%.

  • Terapias experimentais com RNA de interferência (como o pelacarsen): prometem reduções de até 80% nos níveis de Lp(a), mas ainda estão em fases finais de testes clínicos【Nissen et al., New England Journal of Medicine, 2022】.

Enquanto essas opções não chegam de forma ampla, a estratégia é controlar de forma intensiva todos os outros fatores de risco, especialmente o LDL, que já tem terapias consolidadas e eficazes.



Quando desconfiar de níveis altos de Lp(a)?

Algumas situações devem acender o alerta para o médico pedir o exame de Lp(a):

  • Histórico familiar de infarto ou AVC precoce.

  • Paciente jovem que já apresentou doença arterial coronariana.

  • Pessoas com aterosclerose significativa sem fatores de risco tradicionais aparentes.

  • Pacientes com LDL bem controlado, mas que continuam a ter eventos cardiovasculares.

Nesses casos, a Lp(a) pode ser o elo perdido que explica o risco residual.



O que você pode fazer?

Mesmo que não exista um remédio específico para a Lp(a) disponível em larga escala, existem ações práticas para reduzir o impacto desse fator de risco:

  1. Controle agressivo do LDL – quanto mais baixo o LDL, menor a chance de que a Lp(a) exerça seus efeitos.

  2. Estilo de vida saudável – manter peso adequado, praticar atividade física, não fumar e controlar a pressão arterial.

  3. Acompanhamento médico regular – especialmente se houver histórico familiar de doença cardiovascular precoce.

  4. Atenção às novas terapias – nos próximos anos, os tratamentos direcionados para Lp(a) devem se tornar realidade.



Box: o que você precisa lembrar sobre a lipoproteína(a)?

  • A Lp(a) é uma partícula semelhante ao LDL, mas com uma proteína extra (apolipoproteína(a)).

  • Seus níveis são genéticos e praticamente não mudam com dieta ou exercício.

  • É um fator de risco independente, aumentando as chances de infarto e AVC mesmo com colesterol normal.

  • A ESC recomenda dosar pelo menos uma vez na vida.

  • Atua também dificultando a quebra da fibrina, favorecendo a formação de trombos.

  • Não há tratamento específico ainda, mas novas terapias estão em desenvolvimento.



Conclusão

A lipoproteína(a) é um dos grandes avanços recentes no entendimento do risco cardiovascular. Por muito tempo, médicos e pacientes focaram apenas no LDL, mas hoje sabemos que a Lp(a) pode explicar casos de doença cardíaca em pessoas aparentemente saudáveis.

Dosar esse marcador pelo menos uma vez na vida é uma medida simples, barata e recomendada pelas diretrizes internacionais. Identificar níveis elevados permite uma prevenção mais personalizada e pode salvar vidas.

Nos próximos anos, com a chegada de terapias específicas, a Lp(a) deve ganhar ainda mais relevância na prática clínica. Até lá, controlar os demais fatores de risco continua sendo a melhor forma de proteger o coração.



📌 Referências principais (citadas no texto):

  • American Heart Association. Lipoprotein(a) and cardiovascular risk. 2023.

  • Tsimikas S. Lipoprotein(a): novel target and emergence of therapies. Eur Heart J. 2023.

  • Koschinsky ML, Marcovina SM. Lipoprotein(a): structure, function, and role in atherothrombosis. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2022.

  • Boffa MB, Koschinsky ML. Lipoprotein(a) as a risk factor for thrombosis. J Thromb Haemost. 2021.

  • European Society of Cardiology. 2019 Guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice. Eur Heart J. 2019.

  • Nissen SE, et al. Antisense therapy targeting lipoprotein(a). N Engl J Med. 2022.

Mayo Clinic Proceedings. Lipoprotein(a) and cardiovascular risk management. 2021.




Ênio Panetti - CRM 52.56781-1


 
 
 

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