Ômega-3 e saúde do coração: o que a ciência realmente sabe
- Equipe Ênio Panetti

- 23 de set.
- 4 min de leitura

O ômega-3 é provavelmente o suplemento mais falado quando o assunto é saúde do coração. Presente em farmácias, lojas de produtos naturais e até em propaganda de televisão, ganhou a fama de ser capaz de “limpar as artérias” e “prevenir infartos”. Mas será que essa fama é justificada? Ou será que é mais mito do que realidade?
Estudos publicados em revistas médicas de peso, como o JACC (Journal of the American College of Cardiology), o BMJ e os periódicos da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), ajudam a esclarecer o que realmente sabemos hoje sobre o papel do ômega-3 na saúde cardiovascular.
O que é o ômega-3?
O ômega-3 é um tipo de gordura poli-insaturada, ou seja, uma gordura saudável com várias “dobrinhas” em sua estrutura química. Essa característica torna a molécula mais flexível e fundamental para a fluidez das membranas celulares.
Os principais tipos são:
ALA (ácido alfa-linolênico): encontrado em fontes vegetais como linhaça, chia e nozes.
EPA (ácido eicosapentaenoico): presente em peixes de águas frias e profundas.
DHA (ácido docosa-hexaenoico): também presente em peixes, com papel crucial no cérebro e nos olhos.
Enquanto o ALA pode ser convertido em EPA e DHA no corpo, essa conversão é limitada. Por isso, o consumo direto de peixe ou de suplementos é importante quando pensamos em saúde cardiovascular.
A promessa do ômega-3: de onde surgiu a fama?
O interesse pelo ômega-3 começou nos anos 1970, quando estudos observaram que os inuítes da Groenlândia, com dieta rica em peixe, apresentavam baixa incidência de infarto. A partir daí, acreditou-se que o consumo de óleo de peixe seria uma espécie de “proteção natural” para o coração.
Isso levou a uma enxurrada de suplementos no mercado. Mas, como sempre, a ciência precisou testar essa hipótese em grandes estudos clínicos randomizados.
O que dizem os grandes estudos
1. Prevenção primária: cápsulas comuns não mostraram benefício
Estudos enormes, como o VITAL (25.871 pessoas) e o ASCEND (15.480 diabéticos), testaram cápsulas com doses convencionais de ômega-3 (em torno de 1 grama por dia, misturando EPA e DHA). Resultado: não houve redução significativa no risco de infarto, AVC ou morte cardiovascular.
Ou seja: para pessoas sem doença cardiovascular estabelecida, o suplemento comum não trouxe proteção extra.
2. Pacientes de alto risco: quando o tipo certo faz diferença
O REDUCE-IT, publicado no New England Journal of Medicine e analisado em detalhes pelo JACC e pela ESC, mudou o jogo. Nesse estudo, 8.179 pacientes de alto risco cardiovascular, todos em uso de estatina e com triglicerídeos entre 135 e 499 mg/dL, receberam uma forma purificada de ômega-3 chamada icosapento etílico (EPA puro, 4 g/dia).
O resultado foi impressionante: redução de 25% no risco de eventos cardiovasculares graves, como infarto, AVC e morte cardiovascular.
Por outro lado, o estudo STRENGTH, que usou uma combinação de EPA e DHA em dose semelhante, não mostrou benefício. Isso indica que não é qualquer cápsula de farmácia que funciona: a formulação, a dose e o perfil do paciente são determinantes.
E os efeitos colaterais?
Nem tudo são flores. Em vários estudos, doses mais altas de ômega-3 foram associadas a um risco maior de fibrilação atrial, uma arritmia que pode causar palpitações e aumentar o risco de AVC.
Isso não significa que todos terão o problema, mas mostra que a suplementação em altas doses deve ser feita apenas em casos bem selecionados, sob orientação médica.
O que dizem as diretrizes médicas
American Heart Association (AHA): recomenda considerar o uso de EPA em altas doses em pacientes de alto risco cardiovascular, especialmente com triglicerídeos elevados, sempre em associação a estatinas.
Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC/EAS): também reconhece o icosapento etílico como opção em pacientes de alto risco e triglicerídeos entre 135–499 mg/dL, mesmo em tratamento adequado.
Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC): segue a mesma linha, sem indicar suplemento de rotina para a população saudável.
Peixe no prato x cápsula no frasco
Um ponto de consenso é que comer peixe 1 a 2 vezes por semana continua sendo recomendado para toda a população. Esse hábito está associado a menor risco de eventos cardiovasculares em diversos estudos observacionais.
Já os suplementos em cápsula só fazem diferença em pacientes específicos, com risco aumentado e triglicerídeos altos, e desde que seja usada a formulação correta (EPA purificado em dose alta).
Resumindo para você não esquecer
Ômega-3 é uma gordura saudável, presente em peixes e sementes.
Para a população em geral, comer peixe regularmente é suficiente; cápsulas comuns não trazem benefício comprovado.
Em pacientes de alto risco cardiovascular, com triglicerídeos altos, mesmo usando estatina, o EPA em alta dose (4 g/dia) reduziu eventos graves no estudo REDUCE-IT.
Altas doses aumentam risco de fibrilação atrial, por isso não devem ser usadas sem avaliação médica.
Mais importante que cápsula é adotar um estilo de vida saudável: alimentação equilibrada, exercício físico e acompanhamento cardiológico.
Conclusão: não é milagre, é ciência
O ômega-3 não é uma “pílula mágica” que todo mundo deveria tomar. Ele pode ser um aliado poderoso no tratamento de alguns pacientes, mas deve ser usado com critério e embasamento científico.
Para quem busca saúde cardiovascular de verdade, o foco deve estar no conjunto: boa alimentação, prática regular de atividade física, controle do colesterol, pressão e glicose. O ômega-3 pode entrar nessa equação, mas sempre no contexto certo.
Ênio Panetti - CRM 52.56781-1



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