Creatina: o que é, para que serve e quais são as reais indicações
- Equipe Ênio Panetti

- 23 de ago.
- 6 min de leitura

A creatina é um dos suplementos mais estudados na literatura científica, principalmente no campo da nutrição esportiva. Muito popular entre atletas e praticantes de atividade física, a creatina é frequentemente divulgada na internet como uma substância com benefícios que vão além da performance, chegando a ser indicada, em alguns conteúdos, até para idosos sedentários, pacientes com doenças neuromusculares, indivíduos com declínio cognitivo e até em situações clínicas diversas.
Mas o que realmente sabemos sobre a creatina? Para que ela serve de fato? E quais indicações são mito ou ainda carecem de comprovação científica robusta? Neste artigo, vamos esclarecer essas dúvidas, apresentando a visão da ciência sobre o tema.
O que é a creatina?
A creatina é uma substância naturalmente produzida pelo corpo humano, sintetizada principalmente no fígado, rins e pâncreas a partir de aminoácidos como arginina, glicina e metionina. Aproximadamente 95% da creatina está armazenada no músculo esquelético, onde desempenha um papel crucial na produção rápida de energia.
No organismo, a creatina é convertida em fosfocreatina, que funciona como um reservatório de fosfato de alta energia. Durante exercícios de alta intensidade e curta duração, como musculação, sprints ou saltos, a fosfocreatina doa esse fosfato para regenerar o ATP (trifosfato de adenosina), que é a principal moeda energética celular.
Creatina como ergogênico: o que diz a literatura
A indicação clássica e cientificamente comprovada da creatina é como suplemento ergogênico. Diversos estudos ao longo das últimas três décadas mostraram que a suplementação de creatina:
Aumenta a força e potência muscular em treinos de resistência (resistance training).
Melhora a performance em exercícios de curta duração e alta intensidade, que dependem fortemente do sistema ATP-fosfocreatina.
Favorece hipertrofia muscular, em parte por permitir maior volume de treino e também por aumentar a retenção intracelular de água nos músculos.
Um dos trabalhos mais importantes é a revisão publicada pelo International Society of Sports Nutrition (ISSN, 2017), que classifica a creatina como o suplemento ergogênico com maior evidência científica de eficácia e segurança. Além disso, o American College of Sports Medicine (ACSM) também reconhece o uso da creatina como eficaz para ganhos de força e potência em atletas.
Portanto, o uso da creatina está bem estabelecido em praticantes de atividade física, especialmente em modalidades de explosão e força.
A creatina é segura?
Outra questão importante é a segurança. Por muito tempo, circulou na internet e até em alguns ambientes médicos a ideia de que a creatina poderia prejudicar os rins ou o fígado. No entanto, os estudos em populações saudáveis não confirmaram esses riscos.
Uma revisão sistemática publicada no Journal of the International Society of Sports Nutrition (2017), avaliando dezenas de estudos com diferentes populações, mostrou que a creatina é segura em doses habituais (3 a 5 g/dia em uso crônico) para indivíduos sem doenças renais pré-existentes.
É claro que, em pacientes com doença renal estabelecida, a suplementação deve ser evitada ou avaliada caso a caso. Mas em pessoas saudáveis, a creatina tem um perfil de segurança excelente.
O que sabemos da creatina e função renal em indivíduos saudáveis
Diversos ensaios clínicos e revisões sistemáticas mostram que a suplementação de creatina em indivíduos saudáveis não causa lesão renal.
O que ocorre é que a creatina pode aumentar a creatinina sérica (produto de degradação da creatina), o que dá a falsa impressão de piora da função renal. Mas a taxa de filtração glomerular (TFG), avaliada por métodos mais acurados, como cistatina C ou depuração de inulina, não se altera.
Exemplo: estudo de Gualano et al. (2010, Journal of the International Society of Sports Nutrition) mostrou ausência de toxicidade renal em atletas que suplementaram creatina por longo prazo.
Em pacientes com doença renal crônica (DRC)
Não existem ensaios clínicos robustos de longo prazo que tenham testado a segurança da creatina em pacientes com DRC.
A maioria das diretrizes não recomenda seu uso de rotina nesses pacientes, não porque haja evidência de dano comprovado, mas por falta de dados de segurança em populações vulneráveis.
Revisão de De Souza e colaboradores (2019, Nutrients) destacou que não há evidências de que a creatina seja nefrotóxica, mas também não há estudos grandes em portadores de insuficiência renal.
Evidências atuais
Saudáveis: seguro, mesmo em uso prolongado.
Doença renal pré-existente: não há provas de dano, mas também não há estudos de alta qualidade garantindo segurança. Portanto, recomenda-se evitar até que existam evidências mais robustas.
E quanto às outras indicações da creatina?
Aqui está um ponto delicado. Se por um lado as evidências são sólidas para o uso da creatina como ergogênico, por outro, existem muitos conteúdos na internet sugerindo que ela teria efeitos quase “milagrosos” em diversas condições clínicas. Vamos analisar uma a uma, com base em estudos científicos.
1. Creatina em idosos
Um dos usos mais comentados atualmente é o da creatina para prevenir perda de massa muscular (sarcopenia) em idosos.
De fato, existem alguns estudos sugerindo que a creatina pode potencializar o efeito do exercício resistido em idosos, levando a ganhos de massa muscular e força mais pronunciados do que o exercício sozinho.
Um exemplo é o estudo de Candow et al. (2014, Age, 36:9727), que mostrou que idosos em treinamento de resistência que suplementaram creatina tiveram melhores ganhos de força e massa magra em comparação ao grupo placebo.
No entanto, vale destacar: os benefícios aparecem quando a creatina é associada ao exercício físico. Não há evidência robusta de que apenas tomar creatina, sem treino, previna sarcopenia ou traga benefícios funcionais.
2. Creatina e doenças neurológicas
A creatina também foi estudada em condições como doença de Parkinson, esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença de Huntington e até Alzheimer.
Alguns estudos iniciais sugeriram efeitos promissores, já que a creatina poderia melhorar a bioenergética neuronal. Porém, grandes ensaios clínicos randomizados não confirmaram benefícios consistentes.
Por exemplo, um estudo publicado no JAMA (2006;295(1):58-64) sobre creatina na doença de Parkinson não mostrou melhora significativa na progressão clínica da doença. Da mesma forma, estudos em ELA não trouxeram resultados convincentes.
Assim, até o momento, não há evidência suficiente para recomendar o uso de creatina como tratamento de doenças neurodegenerativas.
3. Creatina e cognição
Na internet circula a ideia de que a creatina melhora memória e funções cognitivas, inclusive em indivíduos jovens.
De fato, alguns pequenos estudos mostraram melhora em testes cognitivos sob condições de privação de sono ou estresse mental, como descrito por Rae et al. (2003, Proc Biol Sci).
Entretanto, os resultados ainda são inconsistentes, e não existe recomendação oficial para o uso da creatina como suplemento cognitivo em pessoas saudáveis.
4. Creatina em insuficiência cardíaca
Há também estudos avaliando a creatina em pacientes com insuficiência cardíaca, já que a creatina está envolvida na bioenergética muscular.
Alguns trabalhos, como um ensaio clínico publicado no European Heart Journal (1999;20(11):922–928), sugeriram que a suplementação de creatina poderia melhorar a força muscular periférica em pacientes com insuficiência cardíaca.
No entanto, a evidência é limitada, baseada em poucos estudos pequenos, sem impacto comprovado em desfechos clínicos como mortalidade ou hospitalização.
Portanto, não há base científica para indicar creatina como parte do tratamento de insuficiência cardíaca.
O que realmente podemos concluir?
Resumindo:
A creatina tem eficácia comprovada e consistente como suplemento ergogênico para praticantes de exercícios de alta intensidade e curta duração, como musculação, sprints e esportes de potência.
É segura em doses habituais em indivíduos saudáveis, sem doença renal prévia.
Pode trazer benefícios adicionais em idosos que realizam treino de resistência, mas não funciona sozinha como solução para sarcopenia.
Estudos em doenças neurológicas, insuficiência cardíaca e cognição ainda são inconclusivos, e não justificam o uso rotineiro fora de protocolos de pesquisa.
Conclusão
A creatina não é um suplemento “milagroso” que serve para todas as situações, como muitas vezes se vê em sites e redes sociais. Sua principal indicação é como ergogênico para atletas e praticantes de atividade física, sendo até hoje uma das substâncias mais estudadas e seguras no esporte.
Outros usos, como em idosos ou em condições clínicas, ainda estão em fase de pesquisa e não devem ser vistos como substitutos de tratamentos convencionais.
Assim, se o objetivo é melhora de performance esportiva, a creatina é uma das melhores opções. Já para quem busca benefícios em situações clínicas, é preciso cautela: até agora, a ciência mostra que a creatina não é um suplemento universal, e seu uso deve ser direcionado apenas a indicações específicas.
Ênio Panetti - CRM 52.56781-1



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