Síndrome Metabólica: um alerta silencioso do corpo
- Pamela Caitano
- 25 de out.
- 7 min de leitura

A síndrome metabólica é um dos grandes desafios da medicina moderna. Ela representa um conjunto de alterações no metabolismo que, quando combinadas, aumentam muito o risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, esteatose hepática e até alguns tipos de câncer.
O problema é que, na maioria das vezes, ela não causa sintomas. Silenciosa, vai se instalando aos poucos — e quando os sinais aparecem, as complicações já estão em curso.
Mas há uma boa notícia: a síndrome metabólica é reversível. E quanto mais cedo ela for reconhecida, mais fácil é restabelecer o equilíbrio do corpo.
Neste artigo, você vai entender o que é essa síndrome, como ela é diagnosticada segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), por que ela é tão importante na cardiologia e na nutrologia médica, e o que pode ser feito para preveni-la e tratá-la de forma segura, personalizada e eficaz.
O que é síndrome metabólica segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) define a síndrome metabólica como um conjunto de fatores de risco inter-relacionados que têm como base principal a obesidade abdominal (ou central) e que aumentam a probabilidade de doença cardiovascular aterosclerótica e diabetes tipo 2.
Em outras palavras, é quando o corpo perde o equilíbrio em várias frentes: metabolismo da glicose, dos lipídios, da pressão arterial e da gordura corporal.
Esses fatores, somados, criam um terreno fértil para o aparecimento de doenças crônicas graves.
A SBEM baseia seus critérios no Consenso Latino-Americano de Síndrome Metabólica (2010) e no padrão da International Diabetes Federation (IDF, 2005), adaptado à população brasileira.
Critérios diagnósticos segundo a SBEM
De acordo com a SBEM, o diagnóstico de síndrome metabólica é confirmado quando o paciente apresenta:
Obesidade central (circunferência abdominal aumentada)
+ pelo menos dois dos quatro critérios a seguir.
1️⃣ Obesidade central (critério obrigatório)
A circunferência abdominal é o marcador clínico mais importante da obesidade visceral — aquela gordura que se acumula em torno dos órgãos e tem alta atividade inflamatória.
Homens: circunferência abdominal ≥ 94 cm
Mulheres: circunferência abdominal ≥ 80 cm
A medição deve ser feita com fita métrica, na linha média entre a última costela e a crista ilíaca, com o paciente em pé e respirando normalmente.
2️⃣ Triglicerídeos elevados
≥ 150 mg/dL, ou uso de medicamento para tratar hipertrigliceridemia.
3️⃣ HDL-colesterol baixo
< 40 mg/dL em homens,
< 50 mg/dL em mulheres, ou uso de medicação para dislipidemia.
4️⃣ Pressão arterial elevada
≥ 130/85 mmHg, ou uso de anti-hipertensivos.
5️⃣ Glicemia de jejum elevada
≥ 100 mg/dL, ou diagnóstico prévio de diabetes tipo 2, ou uso de medicação hipoglicemiante.
Resumo prático:
👉 Síndrome metabólica = circunferência abdominal aumentada + 2 dos 4 critérios acima.
Por que a síndrome metabólica preocupa tanto na cardiologia
A síndrome metabólica não é uma “doença isolada”, mas sim um estado de desregulação metabólica generalizada que impacta profundamente o sistema cardiovascular.
Cada componente — obesidade central, hipertensão, dislipidemia e resistência à insulina — causa danos que se somam.
O resultado é um processo contínuo de inflamação, disfunção endotelial e rigidez arterial, que favorece a formação de placas de gordura nas artérias (aterosclerose).
Com o tempo, isso aumenta o risco de:
Infarto agudo do miocárdio,
Acidente vascular cerebral (AVC),
Insuficiência cardíaca,
Arritmias cardíacas,
Doença arterial periférica.
Segundo a American Heart Association, a presença de síndrome metabólica duplica o risco cardiovascular e triplica o risco de diabetes tipo 2.
No Brasil, estima-se que cerca de 25% a 35% da população adulta apresente os critérios para o diagnóstico.
A fisiopatologia: o eixo da resistência à insulina
No centro da síndrome metabólica está a resistência à insulina — um estado em que as células do corpo (principalmente musculares e hepáticas) deixam de responder de forma adequada à ação da insulina.
O organismo, tentando compensar, aumenta a produção desse hormônio, levando à hiperinsulinemia.
Esse excesso de insulina desencadeia uma série de efeitos adversos:
Estímulo à produção de triglicerídeos e VLDL pelo fígado.
Redução do HDL-colesterol.
Retenção de sódio e ativação do sistema renina-angiotensina, elevando a pressão arterial.
Aumento do depósito de gordura visceral.
Estímulo ao crescimento de células musculares lisas nas artérias, facilitando a aterogênese.
Com o tempo, instala-se um ciclo vicioso: quanto mais gordura abdominal, maior a resistência à insulina — e quanto maior a resistência à insulina, mais gordura se acumula.
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As causas: o estilo de vida moderno como gatilho
A síndrome metabólica é, em grande parte, uma doença do estilo de vida contemporâneo.
Entre os principais fatores que contribuem para o seu desenvolvimento estão:
Alimentação rica em ultraprocessados, açúcares e gorduras saturadas.
Sedentarismo e baixa massa muscular.
Privação de sono, que eleva o cortisol e o apetite.
Estresse crônico, que aumenta a resistência à insulina.
Tabagismo e consumo excessivo de álcool.
Menopausa e andropausa, com alterações hormonais que favorecem o acúmulo de gordura visceral.
Predisposição genética, histórico familiar de diabetes ou dislipidemia.
A soma desses fatores provoca inflamação sistêmica, disfunção hormonal e desequilíbrio do metabolismo energético.
Como diagnosticar a síndrome metabólica
O diagnóstico é clínico e laboratorial.
No consultório, o médico avalia a circunferência abdominal, mede a pressão arterial e solicita exames laboratoriais como:
Glicemia de jejum
Prova de tolerância à glicose oral
Perfil lipídico completo (HDL, LDL, triglicerídeos)
Hemoglobina glicada (HbA1c)
Função hepática e renal
Outros exames podem ajudar a avaliar o impacto metabólico:
Ultrassom de abdome (para avaliar esteatose hepática).
Avaliação da composição corporal (bioimpedância).
Essas informações permitem identificar o risco global e guiar o tratamento de forma individualizada.
A síndrome metabólica e o fígado gorduroso (esteatose hepática)
Um dos órgãos mais afetados pela síndrome metabólica é o fígado.
A resistência à insulina faz com que ele converta mais glicose em gordura, levando ao acúmulo de triglicerídeos nos hepatócitos.
Essa condição é chamada de doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), atualmente renomeada como MASLD (Metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease).
A MASLD está presente em até 90% dos indivíduos com síndrome metabólica, e seu tratamento é justamente o controle do metabolismo como um todo: alimentação, peso, glicemia e perfil lipídico.
A relação com o envelhecimento e os hormônios
Com o passar dos anos, ocorre uma redução natural da taxa metabólica basal, perda de massa muscular e aumento da gordura visceral.
Essas mudanças tornam mais fácil o aparecimento da síndrome metabólica — especialmente em mulheres após a menopausa e em homens na andropausa.
Além disso, o declínio de hormônios anabólicos, como testosterona e estrogênio, contribui para a resistência à insulina, a elevação do colesterol e a perda de massa magra.
Por isso, o acompanhamento médico é essencial para detectar precocemente essas alterações e planejar intervenções seguras.
Tratamento: o poder das pequenas mudanças
O tratamento da síndrome metabólica é baseado em mudanças de estilo de vida associadas, quando necessário, a tratamento farmacológico.
O foco é restaurar a sensibilidade à insulina e reduzir o risco cardiovascular global.
1️⃣ Alimentação equilibrada
A alimentação é o pilar central.
Não existe “dieta milagrosa”, mas há padrões alimentares que comprovadamente melhoram o metabolismo:
Dieta Mediterrânea: rica em azeite, peixes, castanhas, frutas, legumes e cereais integrais.
Dieta DASH: voltada para o controle da pressão arterial, com baixo teor de sódio e alta ingestão de potássio, cálcio e magnésio.
Redução de ultraprocessados: quanto menos rótulo, melhor.
Controle de açúcares simples: substitua bebidas açucaradas e farináceos por opções integrais e frutas frescas.
Em muitos casos, o acompanhamento com um médico nutrólogo é essencial para personalizar o plano alimentar, considerando composição corporal, exames e preferências individuais.
2️⃣ Exercício físico regular
A prática de atividade física é um dos remédios mais potentes e acessíveis para a síndrome metabólica.
Ela melhora a sensibilidade à insulina, reduz a gordura visceral, melhora o humor e regula o sono.
Exercícios aeróbicos: caminhada, corrida, bicicleta, natação.
Exercícios de força: musculação ou treino funcional — aumentam a massa muscular e o gasto calórico basal.
Movimento diário: pequenas mudanças, como subir escadas ou caminhar mais, já produzem benefícios.
A meta mínima é de 150 minutos semanais de atividade física moderada.
3️⃣ Sono reparador e controle do estresse
Dormir bem é fundamental para o equilíbrio hormonal.
A privação de sono eleva o cortisol, o hormônio do estresse, e aumenta a fome e o acúmulo de gordura abdominal.
Práticas como meditação, respiração consciente, leitura noturna e relaxamento digital ajudam a regular o eixo metabólico.
4️⃣ Controle médico e uso racional de medicamentos
Em alguns casos, o médico pode indicar medicações para controlar os componentes da síndrome:
Antihipertensivos (como losartana, anlodipina, valsartana).
Estatinas e ezetimiba para controle do colesterol.
Metformina para resistência à insulina.
Agonistas de GLP-1 (semaglutida, tirzepatida) para perda de peso e melhora metabólica.
A prescrição deve sempre ser individualizada, considerando riscos, benefícios e objetivos terapêuticos.
Abordagem integrada: o corpo como um sistema
A síndrome metabólica é um reflexo de desequilíbrio sistêmico — não apenas de um órgão ou parâmetro laboratorial.
Por isso, o tratamento mais eficaz é aquele que combina nutrição médica, cardiologia preventiva, atividade física e saúde mental.
O trabalho conjunto entre cardiologista, nutrólogo, endocrinologista, educador físico e psicólogo é a chave para resultados duradouros.
Box prático: hábitos que ajudam a reverter a síndrome metabólica
✅ Alimente-se de forma natural e colorida: prefira alimentos in natura, com variedade de cores e texturas.
✅ Mantenha um ritmo de sono regular: 7 a 8 horas por noite.
✅ Mexa-se todos os dias: qualquer movimento conta.
✅ Evite bebidas açucaradas e álcool em excesso.
✅ Controle o estresse: respire fundo, desacelere.
✅ Monitore sua circunferência abdominal: é um marcador simples, mas poderoso.
✅ Faça check-ups regulares: prevenção é sempre o melhor tratamento.
Síndrome metabólica: um convite à reconexão com o corpo
Mais do que uma condição médica, a síndrome metabólica é um aviso silencioso de que o corpo precisa de atenção, equilíbrio e cuidado.
Ela nos lembra que saúde não é ausência de doença, mas harmonia entre metabolismo, mente e estilo de vida.
Pequenas mudanças, feitas com constância e orientação, têm poder de transformar a saúde metabólica — reduzindo riscos, devolvendo energia e prevenindo complicações.
Buscar acompanhamento médico especializado em cardiologia e nutrologia é o passo mais seguro e eficaz para restaurar o equilíbrio e cuidar do corpo como ele merece: com ciência e compaixão.
Referências
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Síndrome Metabólica – Documento de Posicionamento do Departamento de Obesidade da SBEM. Rio de Janeiro, 2019.
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Consenso Latino-Americano de Síndrome Metabólica. Arq Bras Endocrinol Metab. 2005;49(6):979–989.
Alberti KGMM, Zimmet P, Shaw J. IDF Consensus Worldwide Definition of the Metabolic Syndrome. Diabet Med. 2006;23(5):469–480.
Grundy SM, et al. Diagnosis and Management of the Metabolic Syndrome: An American Heart Association/NHLBI Scientific Statement. Circulation. 2005;112:2735–2752.
Eckel RH, et al. The Metabolic Syndrome. The Lancet. 2022;399(10342):1816–1831.
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Diretrizes de Obesidade 2023. Disponível em: www.endocrino.org.br.
European Society of Cardiology. 2024 ESC Guidelines for Cardiovascular Prevention in Clinical Practice. Eur Heart J. 2024;45(8):987–1080.
Ênio Panetti - CRM 52.56781-1



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