Cirurgia das válvulas do coração: quando é necessária, como funciona e quais os Riscos
- Equipe Ênio Panetti
- 5 de jul.
- 5 min de leitura

A cirurgia das válvulas do coração é um dos procedimentos mais importantes da medicina cardiovascular moderna. Ela salva vidas, alivia sintomas incapacitantes e melhora a qualidade de vida de milhares de pacientes todos os anos. Se você ou alguém próximo está enfrentando um problema nas válvulas cardíacas, entender as opções cirúrgicas disponíveis é o primeiro passo para tomar uma decisão segura e consciente.
Neste artigo, você vai descobrir o que são as válvulas cardíacas, por que elas podem precisar de cirurgia, quais os tipos de procedimentos existentes, seus riscos, benefícios, recuperação e alternativas menos invasivas — tudo com base nas evidências científicas mais recentes.
O que são as válvulas do coração?
O coração possui quatro válvulas: mitral, tricúspide, aórtica e pulmonar. Elas funcionam como portões que abrem e fecham a cada batimento para permitir que o sangue flua corretamente pelas câmaras cardíacas e para o restante do corpo.
Quando essas válvulas não se abrem ou fecham adequadamente, surgem doenças valvares. As principais são:
Estenose: a válvula não se abre completamente, dificultando a passagem do sangue.
Insuficiência (ou regurgitação): a válvula não fecha direito, permitindo o refluxo do sangue.
Ambas as condições podem causar sobrecarga do coração, levando a sintomas como falta de ar, cansaço, palpitações e até insuficiência cardíaca.
Quais são as causas das doenças valvares?
As causas mais comuns incluem:
Degeneração valvar com o envelhecimento (mais comum na válvula aórtica e mitral)
Febre reumática, que ainda é prevalente em países em desenvolvimento
Endocardite infecciosa
Prolapso da válvula mitral
Calcificação aórtica senil
Doenças congênitas, como a válvula aórtica bicúspide
Síndromes genéticas ou doenças do tecido conjuntivo (como síndrome de Marfan)
Segundo a American College of Cardiology (ACC) e a American Heart Association (AHA), a prevalência de doença valvar significativa aumenta com a idade, afetando até 13% das pessoas acima de 75 anos (Nishimura RA et al., Circulation, 2014).
Quando a cirurgia das válvulas do coração é indicada?
A cirurgia é indicada quando a doença valvar causa sintomas moderados ou graves, ou quando há risco de complicações, mesmo na ausência de sintomas. Os principais critérios para indicar cirurgia incluem:
Estenose aórtica severa com sintomas ou fração de ejeção reduzida
Insuficiência mitral grave com disfunção ventricular
Endocardite com destruição valvar
Doença valvar reumática com comprometimento hemodinâmico
As diretrizes atuais da ESC (European Society of Cardiology) e da AHA/ACC destacam que a decisão cirúrgica deve considerar a gravidade da lesão, o impacto sobre o ventrículo esquerdo e os sintomas do paciente (Baumgartner H et al., Eur Heart J, 2017).
Tipos de cirurgia valvar cardíaca
Existem dois procedimentos principais:
1. Reparo valvar
Quando possível, o reparo da válvula nativa é preferido, principalmente na válvula mitral. Isso preserva a estrutura do coração e evita complicações de próteses.
Estudos mostram que o reparo mitral tem menor mortalidade e melhor função ventricular em longo prazo do que a troca valvar (Gillinov AM et al., N Engl J Med, 2008).
2. Troca valvar
Quando o reparo não é viável, realiza-se a substituição da válvula por uma prótese, que pode ser:
Biológica (tecido animal ou humano): não requer anticoagulação crônica, mas tem menor durabilidade (~10–20 anos).
Metálica (mecânica): muito durável, porém requer uso contínuo de anticoagulante (varfarina).
A escolha entre uma prótese biológica ou mecânica depende da idade do paciente, preferências pessoais, contraindicações ao uso de anticoagulantes e expectativa de vida.
Diretrizes recomendam próteses biológicas para pacientes acima de 65 anos ou com contraindicações à anticoagulação (Otto CM et al., Circulation, 2020).
Como é feita a cirurgia tradicional?
A cirurgia convencional é feita com:
Anestesia geral
Abertura do tórax (esternotomia)
Uso de circulação extracorpórea para manter o sangue oxigenado enquanto o coração é parado
Reparo ou substituição da válvula defeituosa
Encerramento e recuperação em UTI
A cirurgia aberta oferece ótima visualização e controle cirúrgico, mas tem maior tempo de internação e recuperação.
Cirurgias minimamente invasivas e TAVI
Nos últimos anos, técnicas menos invasivas vêm ganhando espaço, com bons resultados, especialmente em pacientes de risco cirúrgico elevado:
1. Cirurgia minimamente invasiva
Feita por incisões menores no tórax, usando vídeo ou robótica. Menos trauma, menor sangramento e recuperação mais rápida.
2. Implante transcateter de válvula aórtica (TAVI ou TAVR)
Procedimento feito por cateterismo, geralmente via artéria femoral, para implantar uma válvula aórtica biológica em pacientes com estenose aórtica severa.
O estudo PARTNER 3 demonstrou que o TAVI é não inferior (e em alguns casos superior) à cirurgia aberta em pacientes de baixo risco cirúrgico (Mack MJ et al., N Engl J Med, 2019).
Atualmente, o TAVI é indicado para:
Pacientes com estenose aórtica grave sintomática
Idade avançada ou alto risco cirúrgico
Contraindicação à cirurgia convencional
Riscos da cirurgia valvar
Embora seja uma cirurgia segura na maioria dos casos, todo procedimento cardíaco envolve riscos. Os principais são:
Infecção
Sangramento
Arritmias (como fibrilação atrial pós-operatória)
Acidente vascular cerebral (AVC)
Complicações da anestesia
Disfunção protética
Morte (risco geralmente inferior a 3–5% em cirurgias eletivas)
A taxa de sucesso e sobrevida é muito alta quando realizada em centros especializados. Em pacientes com estenose aórtica severa, a cirurgia melhora significativamente a expectativa e qualidade de vida, se indicada corretamente (Nishimura RA et al., Circulation, 2014).
Pós-operatório e recuperação
Após a cirurgia, o paciente permanece na UTI por 1 a 2 dias, seguido de internação hospitalar total de 5 a 10 dias, na maioria dos casos. A reabilitação envolve:
Controle de dor e cicatrização
Medicações específicas (anticoagulantes, beta-bloqueadores)
Reabilitação cardíaca com fisioterapia supervisionada
Acompanhamento cardiológico regular
A recuperação total costuma levar de 6 a 12 semanas, dependendo da idade e do tipo de cirurgia.
Cuidados com as próteses valvares
Quem recebe uma válvula mecânica deve fazer uso contínuo de anticoagulantes (INR entre 2,0 e 3,5, dependendo do tipo e posição da válvula), com controle laboratorial frequente.
Pacientes com próteses biológicas geralmente não precisam de anticoagulante contínuo, exceto se houver outras indicações (ex: fibrilação atrial).
Todos os pacientes com válvulas protéticas devem ter cuidado com infecções e realizar profilaxia para endocardite antes de procedimentos dentários e cirurgias (Wilson W et al., Circulation, 2007).
Qual a durabilidade das válvulas cardíacas?
Próteses mecânicas: podem durar 20–30 anos ou mais, mas exigem anticoagulação vitalícia.
Próteses biológicas: duram em média de 10 a 20 anos, podendo necessitar troca futura.
Pacientes jovens tendem a degradar válvulas biológicas mais rapidamente, o que influencia a escolha do tipo de prótese.
Qual a expectativa de vida após a cirurgia?
Pacientes operados com sucesso e acompanhamento adequado podem ter expectativa de vida próxima ao normal, especialmente se a cirurgia for feita antes da disfunção avançada do coração.
Estudos mostram sobrevida de 75% a 85% aos 5 anos após a cirurgia para estenose aórtica grave (Brown JM et al., Circulation, 2008).
Cirurgia valvar em idosos e pacientes de risco
A idade avançada não é uma contraindicação absoluta à cirurgia, especialmente com as novas técnicas menos invasivas. O TAVI, por exemplo, revolucionou o tratamento de idosos com estenose aórtica, oferecendo ótima tolerabilidade e menor tempo de recuperação.
Cada caso deve ser discutido em Heart Team (equipe multidisciplinar com cardiologista clínico, cirurgião, ecocardiografista e hemodinamicista), como orienta a guideline da AHA/ACC 2020.
Quando procurar um cardiologista?
Se você tem:
Sopro cardíaco
Falta de ar aos esforços
Cansaço progressivo
Desmaios
História de febre reumática
Histórico familiar de doença valvar ou cirurgia cardíaca
… procure um cardiologista. Quanto mais cedo o diagnóstico e o acompanhamento, melhores as chances de intervenção no momento ideal.
Conclusão
A cirurgia das válvulas do coração é um procedimento altamente eficaz, que pode curar ou controlar doenças valvares graves, prolongando a vida e melhorando significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Com o avanço da medicina, hoje existem opções personalizadas, menos invasivas e mais seguras, mesmo para pacientes mais idosos ou com risco aumentado.
Se você ou alguém próximo está enfrentando essa decisão, converse com seu médico, busque informações confiáveis e entenda que a cirurgia, quando bem indicada, é um passo rumo à vida plena e ativa.
Ênio Panetti - CRM 52.56781-1
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