O perigo de buscar nas redes sociais informações sobre a sua saúde
- Equipe Ênio Panetti
- há 17 minutos
- 5 min de leitura

Vivemos em uma era em que a internet se tornou a principal fonte de pesquisa para quase tudo: desde receitas culinárias até decisões sobre finanças, viagens e relacionamentos. Naturalmente, esse movimento também chegou à área da saúde. Hoje, milhões de pessoas buscam informações sobre sintomas, tratamentos e medicamentos nas redes sociais, seja em vídeos curtos, lives ou publicações de influenciadores digitais.
Embora esse acesso rápido e gratuito pareça vantajoso, ele traz um risco enorme: muitas vezes, as informações disponíveis não são baseadas em evidências científicas. E o que é pior: mesmo profissionais da área de saúde, incluindo médicos, nutricionistas e fisioterapeutas, têm usado as redes sociais como plataforma de marketing pessoal, divulgando opiniões e recomendações que não seguem as diretrizes médicas oficiais.
O resultado é um cenário preocupante: pacientes confusos, sobrecarregados de informações conflitantes e, em alguns casos, colocando em risco sua saúde ao seguir orientações incorretas.
A informação em saúde: ciência versus opinião
A medicina moderna é construída sobre o conceito de medicina baseada em evidências (MBE). Isso significa que decisões sobre prevenção, diagnóstico e tratamento devem ser fundamentadas em estudos científicos de alta qualidade, revisões sistemáticas e diretrizes de sociedades médicas renomadas, como a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), a American Heart Association (AHA) e a European Society of Cardiology (ESC).
Nas redes sociais, porém, a lógica é outra. Muitas vezes, o que ganha visibilidade não é a melhor evidência científica, mas sim o conteúdo mais chamativo, polêmico ou emocional. É assim que nascem mitos, simplificações perigosas e “receitas milagrosas” que nada têm a ver com a prática clínica responsável.
Exemplos de desinformação que circulam nas redes sociais
Para entender melhor os riscos, vejamos alguns exemplos comuns de conteúdos relacionados à saúde que se popularizaram nas redes sociais, mas que não estão alinhados às diretrizes médicas oficiais:
1. O mito do colesterol como “vilão inventado”
É cada vez mais comum encontrar perfis que afirmam que “o colesterol não faz mal”, que “o LDL não tem relação com doenças cardiovasculares” ou até mesmo que “estatinas são um complô da indústria farmacêutica”.
Esses discursos ignoram décadas de estudos que demonstram de forma robusta que o LDL-colesterol elevado está diretamente associado a risco cardiovascular aumentado, e que a redução desse marcador com estatinas ou outros medicamentos reduz infarto, AVC e mortalidade.
👉 Diretrizes como a SBC (2022) e a AHA/ACC (2018) são claras: o tratamento do colesterol é um dos pilares da prevenção cardiovascular.
2. Dietas milagrosas para “curar” doenças cardíacas
Nas redes sociais, não é difícil encontrar promessas de que determinadas dietas — como a cetogênica extrema ou o jejum prolongado — poderiam “limpar as artérias” ou “reverter a aterosclerose sem remédios”.
Embora mudanças no estilo de vida, como alimentação saudável e atividade física, sejam fundamentais na cardiologia, nenhuma dieta isolada substitui o tratamento médico prescrito, e tampouco existe evidência de que alguma delas seja capaz de “desfazer” placas ateroscleróticas de forma milagrosa.
👉 Diretrizes de nutrição cardiovascular recomendam o padrão alimentar do tipo DASH ou Mediterrâneo, ambos respaldados por estudos de alta qualidade (como o PREDIMED).
3. Uso indiscriminado de suplementos
Outro modismo comum é a indicação de suplementos como Ômega-3, coenzima Q10, creatina ou vitaminas como “protetores do coração”.
Na prática, grande parte dessas indicações não tem respaldo em diretrizes. Por exemplo, o uso de Ômega-3 em cápsulas não mostrou benefício consistente em reduzir eventos cardiovasculares, exceto em formulações específicas e em doses elevadas para pacientes com triglicerídeos muito altos (REDUCE-IT trial).
👉 Ou seja, a recomendação generalizada que se vê nas redes sociais não condiz com a realidade científica.
4. Promessas de cura rápida com terapias alternativas
Em alguns perfis, circulam afirmações de que práticas como ozonioterapia, infusões vitamínicas ou “protocolos detox” seriam capazes de tratar hipertensão, diabetes ou insuficiência cardíaca.
A verdade é que nenhuma dessas práticas tem comprovação científica robusta. Segui-las em vez do tratamento tradicional pode atrasar o cuidado adequado e trazer riscos sérios à saúde.
5. O “culto ao HDL”
Ainda é comum encontrar pessoas afirmando que ter o HDL alto “protege o coração” a ponto de neutralizar um LDL elevado.
Estudos recentes mostraram que esse conceito é um mito. Embora o HDL esteja associado ao risco cardiovascular em estudos populacionais, ele não é um fator modificável clinicamente. O que importa para reduzir eventos é o controle do LDL, como orientam todas as diretrizes atuais.
Por que profissionais de saúde também caem nessa armadilha?
É importante entender que muitos dos que divulgam informações incorretas nas redes sociais não agem, necessariamente, por má fé. Alguns podem estar mal informados ou desatualizados em relação às evidências mais recentes. Outros, no entanto, usam a polêmica como forma de atrair seguidores, engajamento e pacientes.
O problema é que, ao priorizar a visibilidade digital em vez do rigor científico, esses profissionais colocam em risco a confiança da população na medicina.
O impacto da desinformação na prática clínica
Nos consultórios, os efeitos desse fenômeno já são evidentes. Muitos pacientes chegam às consultas:
questionando a necessidade de medicamentos;
solicitando exames desnecessários, porque “viram na internet que são mais modernos”;
acreditando que dietas ou suplementos vão resolver problemas graves de saúde;
ou até interrompendo por conta própria tratamentos fundamentais, como anti-hipertensivos e estatinas.
Essa desinformação aumenta a resistência ao tratamento, reduz a adesão às terapias comprovadas e, em última instância, pode levar a eventos cardiovasculares graves que poderiam ser evitados.
Como diferenciar boa informação de fake news em saúde?
Para se proteger, é essencial que o paciente desenvolva um olhar crítico. Algumas orientações práticas são:
Verifique a fonte: informações vindas de sociedades médicas, universidades, hospitais de referência e órgãos governamentais costumam ser mais confiáveis do que perfis pessoais.
Desconfie de promessas milagrosas: qualquer tratamento que prometa “cura rápida” ou “100% de eficácia” provavelmente não tem base científica.
Cheque se há referência a estudos: conteúdos sérios citam pesquisas, publicações e diretrizes.
Converse com seu médico: antes de tomar decisões sobre sua saúde, leve as informações para discussão em consulta.
O papel do médico diante das redes sociais
A solução não é simplesmente “demonizar” a internet. O acesso à informação é um direito e pode ser uma ferramenta poderosa de educação em saúde, quando bem utilizado.
Por isso, é importante que médicos e outros profissionais qualificados ocupem esse espaço digital, divulgando informações baseadas em evidências, traduzidas de forma clara e acessível.
No entanto, o paciente deve sempre lembrar que nenhum vídeo ou postagem substitui a consulta médica individualizada. Cada organismo é único, e o que funciona para uma pessoa pode não ser indicado para outra.
Conclusão
Buscar informações sobre saúde nas redes sociais pode parecer prático, mas é um caminho perigoso quando essas informações não têm base científica.
Mitos sobre colesterol, dietas milagrosas, suplementos sem comprovação e terapias alternativas ganham popularidade online, mas contrariam as diretrizes médicas mais respeitadas no mundo.
Profissionais de saúde têm um papel fundamental em corrigir desinformações e orientar seus pacientes com base em evidências sólidas. Para a população em geral, a regra é clara: use a internet como ferramenta de aprendizado, mas nunca substitua o acompanhamento médico pelas promessas de perfis nas redes sociais.
Ênio Panetti - CRM 52.56781-1
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